sábado, 13 de outubro de 2012

Homenagem Especial ao Professor Calvani

Carlos Eduardo Brandão Calvani, Doutor em Teologia e Pároco Anglicano. 

(Tenho grande apreço, carinho e admiração por esse Grande Mestre)




Ao Mestre com Carinho
 Aos Mestres, com todo o carinho que um Mestre merece!

Ser Mestre vai além do diploma e da academia.
Ser Mestre é fazer discípulos que o seguirão, 
e transmitirão os seus passos.
O Mestre e a Mestra são muito mais que professores,
são Educadores que ensinam lições para toda a vida, 
e serão imortalizados no bojo de suas ideias e conceitos,
serão lembrados pelas suas condutas e ideais…
O Mestre e a Mestra merecem o respeito de todos,
o respaldo dos governantes, o reconhecimento da sociedade.
Eles precisam do carinho dos seus discípulos e discípulas!
Aqui está a minha homenagem aos meus Mestres e às minhas Mestras, 
que ajudaram a construir o ser humano que sou hoje,
que muito significaram e significam em minha vida.
Muitos deles não passaram, e jamais passarão.
À um deles homenageei significativamente há vinte e seis anos atrás, 
dando ao meu filho o seu nome: Átila!
Hoje, escrevo essa mensagem, que à todos dedico:
Aos meus Mestres com todo o meu amor e carinho!


Austri Rodrigues (meu velho pai), Luiz Caetano Grecco Teixeira, Carlos Eduardo Calvani; Átila José, Maria de Lourdes, Marília Banacossa de Carvalho, Ricardo Quadros Gouveia; Wanderley Pereira Rosa... (E tantas outras e outros cujos nomes não estão citados, mas estão sendo amplamente homenageados).

Atualizado em 10 de Outubro, de 2013 (pelo autor) 
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A vida tem sempre razão ("tem dias que eu fico pensando na vida...")


Por: Carlos Eduardo Calvani

Escolhe, pois, a vida! Esse tema está na ordem do dia das discussões da Campanha da Fraternidade. De fato, é uma recomendação bastante pertinente diante dos muitos sinais de morte que insistem em nos acompanhar no dia-a-dia.
A vida e suas ambigüidades
            O problema é que, quando escolhemos a vida, estamos assumindo conscientemente (ou não) os riscos de sua imprevisibilidade. Sim, porque a vida é imprevisível. Não é um jogo de cartas marcadas nem um tabuleiro de xadrez onde podemos fazer movimentos cuidadosamente pensados porque ainda que os façamos, o que vem pela frente pode não ser exatamente aquilo que esperávamos. Lenine, na composição “Vivo”, reflete:

Vivo (Lenine)
Precário, provisório, perecível;
Falível, transitório, transitivo;
Efêmero, fugaz e passageiro
Eis aqui um vivo, eis aqui um vivo!

Impuro, imperfeito, impermanente;
Incerto, incompleto, inconstante;
Instável, variável, defectivo
Eis aqui um vivo, eis aqui...

E apesar...
Do tráfico, do tráfego equívoco;
Do tóxico, do trânsito nocivo;
Da droga, do indigesto digestivo;
Do câncer vil, do servo e do servil;
Da mente o mal doente coletivo;
Do sangue o mal do soro positivo;
E apesar dessas e outras...
O vivo afirma firme afirmativo
O que mais vale a pena é estar vivo!

Não feito, não perfeito, não completo;
Não satisfeito nunca, não contente;
Não acabado, não definitivo
Eis aqui um vivo, eis-me aqui.
Talvez, por isso, Paul Tillich tenha escolhido como título para a 4ª parte de sua Teologia Sistemática, a frase “A vida e suas ambigüidades” – porque, realmente, a vida é ambígua, repleta de oscilações e incertezas. Como diz o autor de Eclesiastes, a vida debaixo do sol é um ir-e-vir de vitórias e derrotas, conquistas e fracassos, realizações e decepções.
            As pessoas mais religiosas talvez possam responder: “ah, mas essa é a vida de quem não tem fé ou de quem não ama a Deus...” É sim! Na verdade, todos nós, com fé ou sem fé, amando a Deus ou não, vivemos sob o constante risco de tomar decisões que não sabemos serem certas ou erradas e a Bíblia, a Tradição Eclesiástica ou o Magistério não são manuais de receita para a vida, tal como pensam os fundamentalistas. Nesse ponto, John Lennon estava certo: “Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à
marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar alternativas”.
Ou seja, estamos, realmente, condenados à liberdade e a reconhecer que, debaixo do sol, a ambigüidade é constante: há momentos em que plantamos; em outros temos que arrancar o que plantamos. Novamente, o Eclesiastes nos ajuda a meditar nisso: “há tempo para construir e tempo para destruir... Tempo de abraçar e tempo para se separar....”
A vida tem sempre razão...
            As experiências que vamos acumulando no decorrer da vida são tantas e tão diferenciadas que só nos fazem realmente pensar que a vida é um grande mistério. Em uma de minhas experiências pastorais, acompanhei muito de perto o sofrimento de um jovem casal que viu seu filhinho de três anos de idade manifestar uma dessas formas de câncer hereditário que destroem o corpo em poucos meses.
Aquela pequena criança crescera na igreja. Eu, inclusive, a batizara quando do seu nascimento. Muito esperto, era querido por todos que conviviam na comunidade. De repente... A notícia que nos pega de surpresa – ele está com câncer e, aparentemente, não tem cura.
Foram muitas as visitas ao hospital e à casa dos pais. Foram muitos os momentos em que eu não sabia o que dizer. Nada do que eu aprendera nos livros de teologia e nos bancos de seminário parecia responder às minhas inquietações... Quanto mais às inquietações dos pais que viam seu filhinho definhar.
A última vez que vi aquela criança foi no hospital. Seu corpo estava completamente deformado. A quantidade de remédios fizera todo seu cabelo cair; a cabeça estava enorme e o corpo raquítico, em total desproporção. Ainda assim, ela abria os olhinhos e sorria. Naquele dia voltei do hospital indagando: “Senhor, o que significa isso? O que eu posso fazer?”
Dois dias depois fiz o sepultamento da criança. Evidentemente, o caixão estava lacrado, coberto por algumas fotografias tiradas antes da criança adoecer. Eu não sabia o que dizer. Quem tem filhos sabe que a ordem “natural” das coisas é que os filhos enterrem os pais e não o contrário. Sempre imagino a intensidade da dor de um pai ou uma mãe que precisam enterrar um filho.
Três dias após o sepultamento fui fazer uma visita pastoral aos pais. Conversando com ambos, de repente, a mãe diz com lágrimas nos olhos: “sabe, reverendo, os três anos que passei com meu filho foram os melhores anos da minha vida...” (!?!?) Mais uma vez, saí dali desconfiado de que o ministério pastoral não era para mim....
Por isso, diante desse tema tão em voga atualmente – “Escolhe, pois, a vida!”, penso que o melhor mesmo é evitar construir elaboradas argumentações sobre esse grande mistério. O convite está aí, extraído das Escrituras Sagradas, mas a vida permanecerá um grande mistério. Isso me conduz a Vinícius de Moraes e Toquinho:

Sei lá – a vida tem sempre razão
(Toquinho/Vinícius de Moraes)
Tem dias que eu fico pensando na vida
E sinceramente, não vejo saída
Como é, por exemplo, não dá pra entender
A gente mal nasce, começa a morrer
Depois da chegada vem sempre a partida
Porque não há nada sem separação
Sei lá, sei lá,
A vida é uma grande ilusão
Sei lá, sei lá,
Eu só sei que ela está com a razão
A gente nem sabe que males se apronta
Fazendo de conta, fingindo esquecer
Que nada renasce antes que se acabe
O sol que desponta tem que adormecer
De nada adianta ficar-se de fora
A hora do sim é o descuido do não
Sei lá, sei lá,
Só sei que é preciso paixão
Sei lá, sei lá
A vida tem sempre razão


 
Há tanta vida lá fora...
                
            Pra escolher a vida, além de coragem, é preciso muita paixão e entrega total. Afinal, a vida, com toda sua intensidade, requer essa entrega. Ao menos é o que aprendi da canção “Vida”, de Chico Buarque. Seu refrão é inspirado em Goethe (“Luz, quero luz!”) e trabalha com a metáfora dos palcos teatrais, onde a superposição de cortinas esconde cenários diferentes, encerrando mistérios a ser revelados ao espectador. A imagem da cortina corresponde à imagem bíblica do véu que preserva o mistério do Santo dos Santos. É nos palcos atrás das cortinas que está a luz capaz de preencher de vitalidade o artista e o espectador. Trata-se de um clamor pela remoção do véu (revelação) que esconde a luz. O artista reconhece a necessidade de arriscar-se e entregar-se a essa busca pela luz, sujeitando-se à instabilidade que ela pode provocar. O contraponto é dado pela segurança oferecida pelas imagens dos barcos que atracam no cais e pelos sinais de alerta dos faróis que servem de orientação. Contudo, a determinação em alcançar plenitude de vida o impele a prosseguir buscando luz, pedindo mais, sempre mais, e aceitando o risco de rumar para o mais longe possível das seguranças do cais:

Vida (Chico Buarque de Holanda)
Vida, minha vida, olha o que é que eu fiz
Deixei a fatia mais doce da vida
Na mesa dos homens de vida vazia
Mas vida, ali, quem sabe, eu fui feliz
(...)
Luz, quero luz,
Sei que atrás das cortinas são palcos azuis
E infinitas cortinas com palcos atrás
Arranca, vida; estufa, veia,
E pulsa, pulsa, pulsa mais...
Mais, quero mais,
Nem que todos os barcos recolham ao cais
E os faróis da costeira me lancem sinais
Arranca, vida; estufa, veia
Me leva longe, longe, longe, leva mais....
Vida, minha vida, olha o que é que eu fiz
Toquei na ferida, nos nervos, nos fios
Nos olhos dos homens de olhos sombrios
Mas vida, ali, quem sabe, eu fui feliz...

            Arrisco a interpretar o mandamento “Escolhe, pois, a vida...” como um convite ao imprevisível. Não como um convite a seguir leis religiosas definidas sabe-se-lá-por-quem, baseados em alguma suposta revelação ou em algum oráculo divino. Fazer isso até seria fácil: a gente escolhe o que outros já definiram e escolheram; a gente escolhe aquilo que querem que escolhamos e rejeita o que querem que rejeitemos. Porém, essa será, realmente, nossa escolha, nossa vida?
            Por isso, prefiro entender o versículo “Escolhe, pois, a vida”, como um convite bem mais ousado: o convite do salto no escuro, pela fé, nos braços da totalidade da vida, imprevisível e fascinante... Afinal, “há tanta vida lá fora...”.
            Por isso, esse tema pode soar também como um ousado estímulo a dizermos para todos os religiosos que acham que dominam a vida: “Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixem que eu decida a minha vida... Não preciso que me digam de que lado nasce o sol, porque bate lá meu coração...”
Escolhe, pois a vida – faça uma lista...
            Nesses dias de quaresma, em que as comunidades católicas refletem sobre o versículo proposto e em que as (poucas) comunidades protestantes que seguem o calendário litúrgico e tentam pautar sua espiritualidade por uma prática quaresmal, gostaria eu de ouvir, em um momento litúrgico, para meditação, a canção “A lista”, de Oswaldo Montenegro. Ela também é uma reflexão sobre a vida:

            A lista (Oswaldo Montenegro)
 
               Faça uma lista de grandes amigos
               Quem você mais via há dez anos atrás
               Quantos você ainda vê todo dia?
               Quantos você já não encontra mais...
 
               Faça uma lista dos sonhos que tinha
               Quantos você desistiu de sonhar?
               Quantos amores jurados pra sempre?
               Quantos você conseguiu preservar...
 
               Onde você ainda se reconhece
               Na foto passada ou no espelho de agora?
               Hoje é do jeito que achou que seria?
               Quantos amigos você jogou fora...
 
               Quantos mistérios que você sondava
               Quantos você conseguiu entender?
               Quantos segredos que você guardava
               Hoje são bobos... Ninguém quer saber...
 
               Quantas mentiras você condenava
               Quantas você teve que cometer?
               Quantos defeitos sanados com o tempo
               Eram o melhor que havia em você
 
               Quantas canções que você não cantava
               Hoje assobia pra sobreviver
               Quantas pessoas que você amava
               Hoje acredita que amam você...
 
A vida, realmente é um mistério. O mundo ainda pede sentido e clama por alegria e reencantamento. A questão, porém, é saber se as religiões tradicionais continuam a ter o poder de fazer isso sem criar neuroses e dividir as pessoas por meio de cercas dogmáticas ou imperativos absolutos e pretensamente universais. Ainda que o sejam, em todo caso, a arte também é capaz, à sua maneira, de reencantar o mundo. Os artistas, com seu sacerdócio e dons naturais, são capazes de compreender e revelar a pequenez e fragilidade humanas, e nos motivar a enfrentar a transitoriedade e prestar contas ao transcendente. As religiões tradicionais há séculos tentam dar respostas definitivas, eternas e exclusivas, mas continuam a cair no descrédito da juventude mais sensível devido às suas contradições e à grande capacidade que têm alguns grupos a elas ligados de fomentar o ódio, a morte, a violência e a opressão social e psíquica em nome de Deus. Os radicais islâmicos tentam responder ao mistério do sagrado com a carnificina do terrorismo e uma moral primitiva; pastores evangélicos confundem o anúncio de Cristo com lavagens cerebrais e terrorismo psíquico; os espíritas insistem em nos aprisionar em karmas e reencarnações purgadoras; setores da igreja católica satanizam a sexualidade e perseguem minorias. As religiões tradicionais nesse fim-de-século convivem com o fracasso, não representam praticamente nada para muitos setores da população e não conseguem mais lidar adequadamente com aquilo que as constitui: o mistério resplandescente de Deus e da vida. Ademais, embora todas as religiões insistam em dizer que são capazes de explicar a vida e, algumas até mesmo de a controlar, o que ocorre é o oposto – elas (as religiões e seus líderes) é que são controlados pela vida que os confunde e os surpreende.
Mas se as religiões tradicionais estão em crise, o sagrado busca outros caminhos de comunhão, revelação e salvação; a arte é um deles e esses poucos exemplos acima citados talvez possam nos fazer meditar com muito mais profundidade no mistério da vida. Afinal, ela, e não nós ou nossas instituições religiosas, “tem sempre razão”.
Escolher a vida é um risco, mas também uma promessa. Afinal, quando se escolhe a vida radicalmente, não há como negar que “mistério sempre há de pintar por aí”.
Carlos Eduardo Brandão Calvani, doutor em Teologia e pároco anglicano. 
Fonte: Tempo e Presença  -  http://www.koinonia.org.br/tpdigital/detalhes.asp?cod_artigo=153&cod_boletim=8&tipo=artigo

Especial Professor Leonardo Stuepp

Professor: Leonardo Stuepp
Cursou Matemática e História na FURB – UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU. 
Cursou MBA em Administração e Marketing no IBES. Fez o curso de Dirección Estratégica de La Empresa: Perspectiva Comercial, na Universidade de Salamanca/Espanha
Profere palestras com temas motivacionais e religiosos.Pertence à Paróquia Cristo Rei no bairro da Velha em Blumenau, pertencente à Diocese de Blumenau.
Ministra cursos bíblicos na Paróquia Cristo Rei de Blumenau e Paróquia Santo Antônio de Blumenau.
É coordenador do encontro de noivos da Paróquia Cristo Rei.
Colabora no encontro de pais e padrinhos da Paróquia Cristo Rei.
Coordena o encontro de pais dos catequizandos de Eucaristia e Crisma da Paróquia Cristo Rei.
Tem três livros publicados: Conversando com o Profeta; Carlos o desempregado e O Sarau.
Lançará em breve o quarto livro: Leituras que me ajudaram.



A IGREJA E A JUSTIÇA SOCIAL

Por Leonardo Stuepp
No momento histórico em que vivemos, com mudanças expressivas nas questões econômicas e sociais, muitas vezes nos colocamos em posição de crítica quanto a ação da Igreja de Jesus Cristo e com isto, nos deixamos levar pelo comodismo ou ainda, pela total alienação quanto ao nosso compromisso de evangelização, fazendo com que as correntes contrárias à Fé, tentem “provar” a não existência de Deus ou a ineficácia da ação religiosa, onde as lutas “por novos membros”, fragiliza o Corpo Místico de Cristo, tornando “o ser cristão” como que uma mercadoria, um comércio “da salvação”.
Busco, neste estudo, fundamentado no “Compêndio da Doutrina social da Igreja”, elaborado pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, pela Paulinas, em 5a  edição, 2009, apresentar um pouco da doutrina social da Igreja Católica Apostólica Romana, que mais das vezes é totalmente desconhecida por seus membros e também aos amados irmãos de outras denominações, um meio de não só a conhecer intelectualmente, mas que possa ser instrumento de meditação e, principalmente um norte em nossa caminhada no mundo globalizado, em que os valores estão sendo distorcidos e o “ter”, o “poder” e o “prazer” determinam o sonho e objetivo de homens e mulheres, perdidos no tumulto da agitação diária, sem um tempo para reflexões mais profundas, sobre o verdadeiro sentido da vida.
1 - Neste primeiro trabalho, recolho partes da Introdução: Um humanismo integral e solidário. Páginas 18-24., da obra supracitada.
“No decorrer da sua história, e em particular nos últimos séculos, a Igreja jamais renunciou – de acordo com as palavras do Papa Leão XIII – a dizer a “palavra que lhe compete” sobre as questões da vida social.
A Igreja continua a interpelar todos os povos e todas as nações, porque somente no nome de Cristo a salvação é dada ao homem e não se cansa de anunciar o Evangelho que propicia salvação e autêntica liberdade, mesmo nas coisas temporais.
Aos homens e às mulheres do nosso tempo, seus companheiros de viagem, a Igreja oferece também a sua doutrina social.
Ao descobrir-se amado por Deus, o homem compreende a própria dignidade transcendente, aprende a não se contentar de si e a encontrar o outro, em uma rede de relações cada vez mais autenticamente humanas.
O amor tem diante de si em vasto campo de trabalho, e a Igreja, nesse campo, quer estar presente também com a sua doutrina social, que diz respeito ao homem todo e se volve a todos os homens. Tantos irmãos necessitados estão à espera de ajuda, tantos oprimidos esperam por justiça, tantos desempregados estão à espera de trabalho, tantos povos esperam por respeito: “Como é possível que ainda haja, no nosso tempo, quem morra de fome, quem esteja condenado ao analfabetismo, quem viva privado dos cuidados médicos mais elementares, quem não tenha uma casa para se abrigar? E o cenário de pobreza poderá ampliar-se indefinidamente, se às antigas pobrezas acrescentarmos as novas que frequentemente atingem mesmo os ambientes e categorias dotados de recursos econômicos, mas sujeitos ao desespero da falta de sentido, à tentação da droga, à solidão na velhice ou na doença, à marginalização ou à discriminação social [...] E como ficar indiferentes diante das perspectivas dum desequilíbrio ecológico, que torna inabitáveis e hostis ao homem vastas áreas do planeta? Ou em face dos problemas da paz, frequentemente ameaçada com o íncubo de guerras catastróficas? Ou perante o vilipêndio dos direitos humanos fundamentais de tantas pessoas, especialmente das crianças?” (João Paulo II, Carta apostólica. Novo millenio ineunte, 50-51: AAS 93 (2001) 303-304).
O amor cristão move à denúncia, à proposta e ao compromisso de elaboração de projetos em campo cultural e social, a uma operosidade concreta e ativa, que impulsione a todos os que tomam sinceramente a peito a sorte do homem e a oferecerem o próprio contributo. A humanidade compreende cada vez mais claramente estar ligada por um único destino que requer uma comum assunção de responsabilidade, inspirada em um humanismo integral e solidário: vê que esta unidade de destino é frequentemente condicionada e até mesmo imposta pela técnica ou pela economia e adverte a necessidade de uma maior consciência moral, que oriente o caminho comum. Estupefatos pelas múltiplas inovações tecnológicas, os homens do nosso tempo desejam ardentemente que o progresso seja votado ao verdadeiro bem da humanidade de hoje e de amanhã.
O cristão sabe poder encontrar na doutrina social da Igreja os princípios de reflexão, os critérios de julgamento e as diretrizes de ação donde partir para promover esse humanismo integral e solidário. Difundir tal doutrina constitui, portanto, uma autêntica prioridade pastoral, de modo que as pessoas, por ela iluminadas, se tornem capazes de interpretar a realidade de hoje e de procurar caminhos apropriados para a ação: “O ensino e a difusão da doutrina social fazem parte da missão evangelizadora da Igreja”. (João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo rei socialis, 41: AAS 80 (1988) 571-572).
A orientação que se dá à existência, à convivência social e à história dependem, em grande parte, as respostas dadas a estas questões sobre o lugar do homem na natureza e na sociedade. O significado profundo do existir humano, com efeito, se revela na livre busca da verdade, capaz de oferecer direção e plenitude à vida, busca essa a que tais questões impelem incessantemente a inteligência e a vontade do homem. Elas exprimem a natureza humana no seu nível mais alto, porque empenham a pessoa em uma resposta que mede a profundidade do seu compromisso com a própria existência. Trata-se, ademais, de interrogações essencialmente religiosas: “quando o porquê das coisas é indagado a fundo em busca da resposta última e mais exaustiva, então a razão humana atinge o seu ápice e se abre à religiosidade. Com efeito, a religiosidade representa a expressão mais elevada da pessoa humana, porque é o ápice da sua natureza racional. Brota da profunda aspiração do homem à verdade, e está na base da busca livre e pessoal que ele faz do divino”. (João Paulo II, Alocução na Audiência Geral (19 de outubro de 1983), 2: L’Ossevartore Romano, Ed. Em português, 23 de outubro de 1983, 12).
As interrogações radicais, que acompanham desde os inícios o caminho dos homens, adquirem, no nosso tempo, ainda maior significância, pela vastidão dos desafios, pela novidade dos cenários, pelas opções decisivas que as atuais gerações são chamadas a efetuar.
O primeiro dentre os maiores desafios, ante os quais a humanidade se encontra, é o da verdade mesma do ser-homem. A fronteira e a relação entre a natureza, técnica e moral são questões que interpelam decisivamente a responsabilidade pessoal e coletiva em vista dos comportamentos que se devem ter em face daquilo que o homem é, do que pode fazer e do que deve ser. Um segundo desafio é posto pela compreensão e pela gestão do pluralismo e das diferenças em todos os níveis: de pensamento, de opção moral, de cultura, de adesão religiosa, de filosofia do progresso humano e social. O terceiro desafio é a globalização, que tem um significado mais amplo e profundo do que o simplesmente econômico, pois que se abriu na história uma nova época, que concerne ao destino da humanidade.
Os discípulos de Jesus sentem-se envolvidos por estas interrogações, levam-nas eles mesmos no coração e querem empenhar-se, juntamente com todos os homens, na busca da verdade e do sentido da existência pessoal e social. Para tal busca contribuem com o seu generoso testemunho do dom que a humanidade recebeu: Deus dirigiu-lhe Sua Palavra no curso da história, antes, Ele mesmo entrou na história para dialogar com a humanidade e a revelar-lhe o Seu desígnio de salvação, de justiça e de fraternidade. Em Seu Filho, Jesus Cristo, feito homem, Deus nos libertou do pecado e nos indicou o Caminho a percorrer e a meta à qual tender.
A Igreja caminha com toda a humanidade ao longo das estradas da história. Ela vive no mundo e, mesmo sem ser do mundo (cf. Jo 17,14-16), é chamada a servi-lo seguindo a própria vocação íntima”.