domingo, 28 de abril de 2013

"Esse mundo não vale uma bagana"

Por Austri Junior
A vezes me pego pensando sobre muitas coisas nesse mundo, e me sinto deslocado entre as minhas convicções teológicas e as lógicas da vida cristã (ou da bíblia). Quem está certo - eu ou aqueles que defendem a "palavra de Deus"? Quem está está certo - eu ou aqueles que defendem os "direitos da família"? Quais são mesmo os "direitos da família"? Muito se fala dos direitos da família dentro das instituições eclesiásticas, mas nada se fala sobre os deveres dessa mesma família. Todos, e todas as intituições têm direitos, mas também têm deveres, inclusive a instituição familiar. 


Em uma instituição eclesiástica sempre que se fala em instituição familiar, vem à tona a "palavra de Deus". O que ou quem é mesmo a palavra de Deus? Para mim, a palavra de Deus é Jesus Cristo com todos os seus ensinamentos de amor e perdão, misericórdia e compaixão. Mas em geral as instituições eclesiásticas evangélicas semprem trazem à tona o "poder de Deus", e por poder de Deus, fica subentendido o castigo e a ira, retratado no Antigo Testamento.

Amor, bondade, misericórdia, perdão... Os frutos do Espírito, seriam esses atos má interpretação de minha parte ou Jesus é um sujeito hipócrita e contraditório? O que ou quem vale mais para o cristianismo? O Antigo ou o Novo Testamento? Os dois podem subsistir entre si?

Teológicamente defedemos que um complementa o outro e que o Novo não pode se sustentar sem o Antigo. Mas até onde conseguimos controlar a nossa vontade de sobrepor um sobre o outro, ou de valorizarmos um em detrimento do outro, para justificarmos os nossos interesses e as nossas  atitudes exclusivistas, intolerantes, manipuladoras...

"Deus está (mesmo) nesse negócio", ou os seus "pastores" estão "negociando" em nome de Deus? E porque esse que vos escreve, e que se diz teólogo escreve tantas palavras entre aspas, principalmente quando fala de "evangélicos", "cristãos" e "pastores"? Será que é porque não crê nesse movimento evangelicalista que anda à solta por aí, ou porque aprendeu a colocar enormes interrogações nas atitudes suspeitas e negativas, das instituições eclesiásticas ou das pessoas que se dizem piedosas mas que no fundo são tão perversas quantos as pessoas que elas mesmas condenam, ou serão as duas ou mais coisas?

No fim dos anos 1970, tive a honra de conhecer e conviver amplamente com um poeta  pacifista popular (Jordelino Pimentel Filho), do qual tive a honra de ser amigo, e continuo sendo até os dias de hoje, e que assinava as suas obras com a alcunha de "Preta". Ele cantava ainda naquela época uma música linda, que tinha como título e refrão o seguinte apêlo : "Esse mundo não vale uma bagana". Para quem não sabe, uma "bagana" é uma "guimba" de cigarro de maconha. Naquela época eu acreditava que ele tinha razão, e hoje contino pensando que o Preta continua tendo razão. Quando ele falava que "esse mundo não vale uma bagana", ele queria dizer que as atitudes negativas das pessoas eram perniciosas e maléficas, e se a maconha é maléfica, assim também são as pessoas e as instituições que pregam e difundem o mal, mesmo que veladamente, ou sob uma pseudo aura de bondade ou uma pseudo mensagem de verdade.

As atitudes perniciosas e maléficas das pessoas , sejam nas igrejas ou em qualquer outra parte da sociedade, realmente não valem uma guimba ou bitoca de cigarro, seja esse cigarro da "Souza Cruz" ou de maconha. Ambos são nocívos e fazem muito mal.

domingo, 21 de abril de 2013

Eu, um rato de biblioteca!


Conto 
Por Austri Junior
(Homenagem à minha Professora da 5ª série, Maria de Lourdes)

Sempre fui fascinado pela leitura! Desde que aprendi a ler, não me afastava dos gibis: Super Homem, Homem Aranha, Batman, O Demolidor, Tex, Top Secret, foto novelas da revista Capricho, Almanaque Disney, Turma da Mônica... Bons tempos!

Aos onze anos de idade tive uma professora de português, maravilhosa, professora Maria de Lourdes, nunca a esqueci, e jamais poderei esquecê-la. A professora De Lourdes era uma senhora de fala mansa, gestos brandos, atitudes super calmas. O seu olhar era um olhar de ternura e compreensão. Jamais levantara a voz para nenhum de nós e nunca mandou nenhum aluno para a coordenação ou para a sala da diretora, a Dona Amália, da qual todos nós morríamos de medo. Só de ouvir falar: "Dona Amália vem aí", nós todos ficávamos paralizados.

A "Dona de Lourdes" - era assim que a chamávamos - usava para conosco uma dinâmica fantástica de leitura e escrita. Estávamos na 5ª série (hoje sexto ano), e algumas semanas após ter se iniciado as aulas, a Dona de Lourdes após ter feito a chamada, perguntou-nos (como se não já soubesse a resposta):

- Quem aqui, gosta de ler histórias em quadrinhos, levante a mão?

Todos na sala, evidentemente levantaram as mãos. Então ela disse-nos:

- Turma, eu tenho uma proposta para fazer para vocês: Que tal vocês criarem os seus próprios personagens e escreverem as suas próprias  estórias, não em forma de quadrinhos, mas em forma de narrativa, uma redação. Niguém é obrigado a fazer, mas os que fizerem ganharão um ponto, e os que lerem as suas estórias para a classe, ganharão dois pontos, e uma vez por semana, toda terça-feira, nós faremos as apresentações. O que vocês acham?

A maioria dos alunos que estavam na  sala vibraram com a ideia da Dona de Lourdes. Passada a euforia, um medo enorme se apoderou de nós. Não sabiamos o que fazer nem como fazer e levamos as nossas angústia até a professora, que nos acalmou e disse:

- Não se preocupem! Eu ajudarei vocês. Façam a primeira estória e tragam-na para mim na próxima terça-feira, e a partir daí nós vamos aprendendo juntos...

Aquilo  que a professora De Lourdes estava fazendo conosco não tinha prêço, e não tem até hoje. Foi a partir daí que desembrestei a escrever e aumentar ainda mais o meu gosto pela leitura, e comecei a madurecer, pois além das redações que agora escrevíamos como quem brincava na praça (e antes disso, morríamos de medo de escrever redações), líamos os livros "obrigatórios" com muito gosto. Essas "leituras obrigatórias", eram angustiantes pois tínhamos que ler o livro e fazer prova, era um livro por mês. A  professora mudou a didática, e nós não fazíamos mais a prova, agora nós falávamos sobre o livro: A estória, os personagens, os locais, as emoções, tudo o que vivenciávamos na estória, no livro durante a leitura... Lembro-me como se fosse ainda hoje, e jamais esqueci os livros que li. A maioria deles era da Editora Ática e da Coleção Vagalume. Entre eles: "A Ilha Perdida", "Éramos Seis", "O Cachorrinho Samba"... Nunca mais, nós os alunos da professora Lourdes, fomos os mesmos. No fim do ano, todos estavam escrevendo e lendo em sala de aula as nossas próprias estórias e construindo os nossos próprios personagens.

Além dos livros obrigatórios, eu lia por minha própria conta (correndo por fora), outros livros que tomava emprestado na Biblioteca Estadual e na Biblioteca Municipal. Tornei-me um "rato de biblioteca", amava e amo até hoje aquela atimosfera silenciosa que reinava dentro das bibliotecas - as pessoas respeitavam o ambiente de leitura - hoje as bibliotecas são muito barulhentas. Amava e ainda amo o cheiro de papel velho, e a combinação do cheiro de tinta em papel novo. Não troco o livro por nada, mesmo sabendo que se derrubam algumas árvores para construir alguns livros - a solução é plantar árvores com o objetivo de usá-las somente na fabricação dos livros - Amo o velho e bom livro. Amo a boa e maravilhosa leitura!

Ao começar a frenquentar as bibliotecas para ler por amor à leitura e pela paixão pelos livros, e não somente para fazer  pesquisas para trabalhos e para os deveres de casa - naquela época não havia a internet e eu era uma criança muito pobre, e a minha mãe não tinha dinheiro para comprar a Coleção Barsa e nem a Coleção Delta la Rousse - eu pude contemplar leituras clássicas maravilhosas da literatura internacional tais como: "A Ilha do  Tesouro", "Robinson Cruzoé", "Peter Pan", "David Copperfield", "A Família Robinson", "O Pequeno  Principe", "O Menino do Dedo Verde", "O Maior Presente do  Mundo", "Fernão Capelo Gaivota", "Longe é Um Lugar Que Não Existe"... E mais tarde: "Um Brasileiro no Exército de Napoleão" , "Horiizonte Perdido", "Ladrão na Noite", e todos os livros de T. Lobsang Rampa, entre muitos outros...

Tudo o que leio hoje, todas as pesquisas científicas e acadêmicas que faço, e tudo o que escrevo (até mesmo as besteiras), só faço por que um anjo me iluminou. Seu nome? Repito: Professora Maria de Lourdes! Muito do que sou hoje, devo a esse anjo. Quantas Marias de Lourdes existem ainda hoje? Professores assim ressignificam as vidas dos seus alunos, e podem ajudá-los a construir um futuro muito melhor e mais promissor. Foi por causa da "Dona de Loudes" que eu hoje sou um "rato de biblioteca". Ela me deu isso, e hoje eu passo a diante. Me esforço para ser a "Dona de Lourdes" na vida dos alunos cuja vida cruzam com a minha vida. Ler é tudo de bom!

domingo, 14 de abril de 2013

Maria ficheira e a fila do SUS

Conto 
Por Austri Junior

Eram quatro horas da manhã, ouvi vozes altas como se estivessem dentro da minha casa. Eram vozes femininas e vozes masculinas misturadas, atrapalhando o meu sono. Pensei: "De onde estão vindo essas vozes"? Entre as vozes femininas reconheci logo de cara, uma certa voz que sempre chama a atenção pelo seu tom altíssimo e exagerado, pelas besteiras que fala, e principalmente pelas altíssimas gargalhadas. Era a voz da  "Maria ficheira". Maria ficheira é uma senhora muito indiscreta, que toda terça-feira está na fila do SUS, pegando fichas "profissionalmente". Essa senhora possui quatro fortes características: Contar "estórias", fazer fofocas, furar a fila e meter o bedelho na vida das outras pessoas com uma dose muito grande de indiscrição.

Eu mora em frente ao posto de saúde e por isso acabo vendo ouvindo toda a movimentação que emana da da fila do SUS. Muitas pessoas, pensam que morar em frente ao posto de saúde é uma "benção". Eu, tanbém já pensei assim (antes de  receber essa "bênção"). A verdade é que residir em frente ao posto de saúde acaba com a saúde da gente... É muito barulho atrapalhando o nosso sono durante a madrugada. Nos dias de marcação de consulta e nos dias de recolhimento de materiais para exames a fila começa a se formar cedo e as pessoas vão chegando, uma de cada vez e logo temos uma multidão formada, ávidas por conversar, "colocar papo em dia", como se diz por aí... Nos dias de vacinação das crianças, choros e berros se ouvem ao longe, alguns chegam assustar, quando distraídos estamos. Alguns berros e choros incomodam bastante, parece que estão praticando um holocausto com crianças, tamanho é o desespero delas, e das mães também, que gritam com as crianças e brigam com os maridos.

Quem já esteve na fila do SUS, seja em um posto de saúde, em uma policlínica, ou em algum pronto atendimento, sabe bem como é. Ali temos uma grande miscelânea de gentes. Pessoas de todos os tipos: Gentes emburradas e mau-humuradas, gentes desconfiadas, pessoas "comédias", pessoas caladas, pessoas falantes (essas são a maioria). Tem as pessoas que fazem disso um meio de vida, como a Maria ficheira, por exemplo. Tem as velinhas fofoqueiras que em duas ou três horas de espera nos põem a par e nos "atualizam" sobre tudo o que acontecce na comunidade, e sobre tudo o que acontece na vida dos vizinhos, inclusive citando os nomes mesmo que não saibamos nem de quem se trata, muito menos o nome dessas pessoas. Quando dizemos: "Não sei que é esse fulano, ou essa fulana", elas fazem questão de apontar a direção da casa. As velinhas fofoqueiras têm uma necessidade enorme de falar (da vida dos outros), e falam tanto, que nem as suas famílias escapam. Mas há também as "novinhas" fofoqueiras. Aliás, a prática da fofoca na fila do SUS não tem idade nem sexo. A fofoca na fila do SUS é generalizada e vemos ali também, muitos homens muito fofoqueiros, e quanto mais idosos, mais fofocas praticam.

Na fila do SUS os assuntos variam de acordo com a idade, com a escolaridade, com a experiência de vida de cada pessoa: As mães falam muito sobre filhos e crianças, as esposas conversam sobre sobre os seus maridos e conversam muito sobre os desafetos vividos dentro do lar. As pessoas hipocondríacas conversam sobre remédios e doenças e "sabem tudo" sobre o assunto. Conhecem todas as doenças, todos os nomes dos remédios e sabem o nome e os horários de atendimentos de todos os médicos. Tem também os evangelizadores de plantão que se comunicam nos idiomas "crentês" ou "evangeliquês", tentando converter a fila, dando testemunho de si mesmos e sempre com muito convencimento, ao mesmo tempo que dão contra-testemunho jogando lixo no chão, fazendo fofocas, furando a fila, entre outras coisa abomináveis. A Maria ficheira é uma dessas pessoas que se comunicam em "crentês" e "evangeliquês", e está sempre disposta a dar testemunhos ao mesmo tempo em que apresenta um forte contra-testemunho de vida na fila do SUS.

Sempre que vou ao posto de saúde eu quero ficar na minha, ouvindo notícias pelo rádio do celular, com um fone de ouvido, mas a fila do SUS tem as suas particularidades e características próprias e imutáveis, e uma delas é que a privacidade é uma palavra desconhecida, e nada do que façamos, vai mudar isso... As pessoas falantes sempre dão um jeitinho de puxar conversa com as outras pessoas ao seu redor, ou de inserí-laas em suas conversas dirigindo-lhes o olhar, ou balançado a cabeça, fazendo sempre algum sinal como que a perguntar para o outro: "Não é mesmo?"

Acho que as pessoas têm necessidade de falar por vários motivos: Algumas porque não conseguem calar-se, outras porque não têm ninguém para conversar ou ninguém lhes dá atenção, outras porque querem chamar a atenção de todos para sí, outras por falta de sabedoria e discernimento... Em fim, são apenas gentes. Gentes com muitos e variados problemas e frustrações, gentes esquecidas, abandonadas, pobres em várias situações: Pobres de dinheiro, pobres de cultura, pobres  em conhecimento, pobres... São pessoas em sua maioria sofredoras em busca de alento para as suas mazelas, atendimento para as suas doenças, compreenção para os seus problemas. Muitas vezes essas pessoas são mal atendidas e não encontram a solução para os seu problemas, e muitas acabam explodindo o seu mau-humor. Todas essa pessoas são gentes carentes que precisam de atenção e carinho.

Mas que a "Maria ficheira" do meu bairro, aquela que me acorda toda terça-feira de madrugada e me pertuba com as suas falácias quando estou na fila do SUS me irrita, ah, isso sim... Como essa mulher me irrita!